AULA 2 – GRUPO de estudos “ rePENSAR faz pARTE”
Ainda sobre modelos e a possibilidade de expansão
O prof. Nathan Osipe começou a segunda aula com a frase do professor Renato Martino sobre Immanuel Kant que traduz de certa forma o pensamento referido abaixo: “Todo e qualquer reconhecimento da realidade só terá sentido levando em conta o modo como o sujeito formou o aparato de instrumentos para esse reconhecimento, e não só as características disso que está externo a ele”.
“Para nós, é completamente desconhecida qual possa ser a natureza das coisas em si, independentes de toda receptividade da nossa sensibilidade. Não conhecemos delas senão a maneira que temos de percebê-las; maneira que nos é peculiar; mas que tão pouco deve ser necessariamente a de todo ser, ainda que seja a de todos os homens.” (Kant, 2001).
Osipe começa explicando que “a coisa em si, a realidade, o mundo fora de mim, tem algo de incognoscível, algo que não se é capaz de conhecer completamente. Portanto, o máximo que posso fazer é entender que do meu modo de pensar a realidade −, conforme o meu aparato psíquico, além de todos os meus sentidos (audição, visão, audição, paladar, tato) −, minha compreensão dela é moldada por meu jeito único. Por isso, eu posso falar SOBRE tal coisa, mas isso não encerra o que ela seja. Eu não sei como é a realidade última (Bion), mas eu sei o que eu enxergo sobre ela, e é disso, e somente disso, que posso falar”.
Para isso, para a realidade, é importante se falar “de fantasia, uma vez que ela é a janela pela qual eu enxergo o mundo, é o modo como eu vejo e sinto o mundo, e ela se diferencia por completo da alucinação ou do delírio. A fantasia é constitutiva do sujeito, é o modo particular como cada um vê o mundo, que é desenhado a partir da minha constituição de vida, e, portanto, processamos nossa compreensão a partir dessas fantasias. Por isso é importante a ideia do grupo de estudos, pois cada um pensa algo que outra pessoa não estava pensando. E assim, na relação do grupo, nesse relacionamento saudável, podemos expandir. Há vínculos que são potencializadores e colocam-nos numa jornada de expansão. Há relacionamentos que nos apequenam, mas há os que nos fazem crescer – esse é o objetivo do nosso grupo (Re)pensar”.
A profa. Isis acrescentou que é importante exatamente a heterogeneidade, porque é “a mistura de pessoas que temos neste grupo que enriquece o estudo, cada qual com seu conhecimento, contribuindo com seus saberes provenientes de sua área. Dessa forma, se cria a nossa fantasia, pois o imaginário tem que ser o lugar do absurdo, tem que ser o lugar em que você imagina, simula e cria coisas dentro dele”.
Então, o professor Nathan continua, “se eu fui construído e enxergo o mundo a partir de meu modo de ver as coisas, como posso expandir para além de minhas fantasias?”. Nathan, acrescenta ainda que há o risco de se ficar cristalizado no próprio modo de ver a vida, ou seja, “posso ficar pensando que x+x = y e não conseguir sair do que penso desde sempre. Porém, quando eu consigo reconhecer essas fantasias, dar conta de meus equívocos, consigo sair do que sempre pensava, quando conheço meu modo de funcionamento, quando questiono, por exemplo, ‘por que tenho asco de algo, mas sou condescendente com outras coisas’, posso ir além. É importante considerar o que me vem nos pensamentos e tentar vislumbrar um sentido: será que isso faz sentido? Geralmente, o que me causa um incômodo, desconforto, é o que vem ao encontro ao que eu pensava, fantasiava, acreditava”. De fato, por meu ponto de vista concordo que seja necessário ouvir outras vozes. A analogia criada pelo prof. Nathan a respeito do inconsciente é de que: “O inconsciente é um mar de coisas que não domino nem conheço, e o consciente é aquilo que o farol está iluminando, apenas...”.
Assim, falou-se de capacidade negativa (capacidade de tolerar o desconforto de não saber) e maturidade emocional (saber dintinguir o que é, do que você deseja que seja), e surgiu o questionamento seguinte sobre as emoções que foram expandidas pelos dois modelos usados abaixo.
“Não sou capaz de controlar minhas emoções, mas sou capaz de mudar meu modo de reações a ela”, afirma a profa. Isis. “Pelos conceitos neurocientíficos, as emoções humanas são reações que acontecem no nosso corpo, nos órgãos, no nosso sistema nervoso, que recebe informações provindas dos pensamentos, do ambiente, dos sentidos, e dispara uma cascata de reações no nosso corpo (pulmões, intestinos, entre outros). Por isso é necessário nomear essas emoções, é preciso aprender a fazer a leitura das reações para nomeá-las (por exemplo, se tenho medo, posso sentir um frio pela coluna e borboletas no estomago, daí reconhecer isso que sinto me torna consciente dela), ‘ah, isso que sinto é medo’. O uso de vocábulos é o que se sente, é sentimento. Concordo totalmente com a professora, uma vez que a relação entre eu e meus órgãos é algo de “visceral”, como costumo dizer.
Pelo viés da psicanálise, o prof. Nathan complementa que “existem em nós estes elementos selvagens, caóticos ou beta (Bion), que ‘vêm do nada’ − um entusiasmo ou euforia súbitos, uma raiva de alguém −, mas que quando vem esse impulso o importante é não atuar. A verdade é que existem em nós esses elementos inconscientes, como, por exemplo, o ‘falar sem pensar’ que, em geral, é uma forma de agredir o outro verbalmente. Daí, quando se dá voz a esses elementos selvagens, posso reacender no outro os elementos ‘indomáveis’ dele, numa reação também inconsciente. É necessário que quando me venha esse impulso, eu não atue, e, conforme vá adquirindo a capacidade (maturação emocional) de conter esse impulso, não agrida ninguém. Somos seres iludidos de que seremos capazes de controlar nossas emoções, mas não somos. Por isso, não se pode negar as emoções, mas podemos trazer à luz o que estamos sentindo, olhar para o que está acontecendo (tentar trazer à consciência) e não atuar satisfazendo esse impulso ou desejo, ou vontade. Quando vou me tornando mais consciente (nunca totalmente), vou aprendendo a conter esses impulsos, tolerar, a dar continência a esses elementos.
Acrescento eu, que os elementos selvagens de Bion seriam o que Jung chamou de instinto. “Os instintos são formas típicas de comportamento, e todas as vezes que nos deparamos com formas de reação que se repetem de maneira uniforme e regular, trata-se de um instinto, quer esteja associado a um motivo consciente ou não. ” (Jung, 2009). Nesse sentido, reconhecer minha “selvageria” é importante para meu crescimento, penso.
“A contenção dessa emoção que não é controlável não é uma negação, mas é um adiamento da satisfação do desejo momentâneo, o que gera frustração. Não se pode romantizar essa contenção pois ela vem com dor, porque muitas vezes a vontade era de dar vazão a esses desejos, ‘falar a verdade’, entre outras coisas, pois adiar essa satisfação traz a frustração, mas a maturidade emocional implica reconhecermos as emoções, os sentimentos e saber lidar com eles”, adiciona a professora Isis.
A conversa transcorreu numa proposta de aprendizado para a convivência entre os pares, entre os amigos. Como entender o outro? Como ser mais responsável pelos relacionamentos que “escolhemos”? Questionamentos sobre repressão, sobre não se falar de “coisas” que não deveriam ser ditas porque podem nos julgar como loucos. Questionamento sobre as baixas tolerâncias aos prazeres postergados. A moldagem de nosso inconsciente pelos algoritmos da internet, os jogos que são jogados de intolerância e estímulo aos cancelamentos. Essa a ideia do grupo: a mistura de ideias, experiências e tudo o mais.
Considerou-se sobre o corpo biológico em que nossa alma está imersa para tentarmos entender a nossa “maluques”, entender o que podemos fazer com nossas tendências para ser melhor.
O encontro foi muito além do que esperado, como sempre.
Você vem para o próximo?
Janice Mansur
Referências
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 5.ed. Trad.: Manuela Pinto e Alexandre Morujão. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
JUNG, C. G. JUNG, C.G.A Natureza da Psique. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
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