Você sabe educar seus filhos?

Imagem: Unsplash

Por Janice Mansur (@janice_mansur)

Essa é uma pergunta atravessada por muitos questionamentos que hoje, aos meus 56 anos, faço a mim mesma. Aos poucos, fui chegando a conclusões que podem parecer a princípio estranhas, mas explico. Raciocine comigo. Nós pais falhamos de qualquer jeito: minha mãe falhou comigo, meu pai falhou. A mãe de minha mãe e o pai dela também falharam. Não só porque não sabemos como ser melhor do que já somos, já que não somos perfeitos − e nem sempre sabemos como educar, embora possamos aprender isso −,  mas também porque não sabemos como essa educação vai reverberar no outro e vai ser introjetada por ele.

Pensamos que estamos no controle de nossas vidas, mas não estamos! Pode acontecer, para os mais religiosos, acreditar que Deus está no controle, e até pode estar. Mas não é necessário raciocinar nesses termos para saber que temos um inconsciente e somente ele já é o suficiente para indicar esse descontrole.

Você sabe mesmo o que está pensando todo o tempo? Será que não há algo em você que te escapa?

Será que sua memória é tão boa e cristalina que você não possa ter registrado, gravado, mais sobre suas impressões de um fato do que o fato em si?

Para pensarmos, ilustro com uma historinha.

A mãe conversava com o filho já adulto a respeito de negócios e trabalho. Então, o rapaz fez uma queixa e reclamou de algo que haveria ocorrido entre seus 7 e 9 anos (mais ou menos). Disse à mãe que ela não o ajudava a ser empreendedor desde a infância. Como assim? Ela ficou um tanto surpresa, pois sempre estimulara os filhos ao trabalho, independência e autonomia.

O filho começou a contar a ela sua compreensão da experiência, a que supunha ter vivido. Argumentou que numa dada época ele quisera vender balas e docinhos na porta de casa e ela não havia deixado. A mãe retrucou que isso não fazia qualquer sentido, haja vista que havia comprado “coisas” de festa junina (estalinhos, chuveirinhos, dessas mais “inocentes” para crianças brincarem) e ficado com ele ao portão para que as vendessem. Ele retrucou que não lembrava desse episódio muito bem, mas por certo se lembrava dos docinhos e coisas do tipo que queria vender e ela “não permitiu”.

No alto do bate-boca sobre “quem fez o quê,  quem não fez o quê”, a mãe perguntou sobre quais foram os produtos, guloseimas, que haviam sido compradas, e ela “não queria” que ele vendesse. Ele foi relacionando a lista, e ela se lembrou de UM dos itens que comprara. Daí, em diante uma cascata de lembranças da situação aflorou em sua mente.

E ela contou a ele: “eu já havia comprado ‘os brinquedinhos’ de festa junina para você vender, mas você deve se lembrar que era pequeno, e fiquei lá no portão com você para vendê-los, certo? Entretanto sua avó argumentou sobre o perigo de estarmos ambos no portão de maneira tão exposta. Sempre ouvi opinião dos mais velhos, além disso na época, estava estudando e trabalhando, não tinha todo o tempo do mundo para ficar no portão com você. Claro, que a intenção era (se comprei os docinhos, como agora lembro), era sim, de que você pudesse vendê-los.  Mas a insistência de sua avó, no que diz respeito aos perigos a serem enfrentados, aliada à necessidade de ter de estudar para entrar na faculdade, me obrigou a decidir a não vendermos mais. Ainda me lembro que autorizei você e seu irmão de comê-los. E percebi que você ficou meio chateadinho, mas não podia imaginar que isso teria repercutido tão profundamente em você, a ponto de inferir que não lhe dei força, ou ainda não dou.”

Nesse momento, parece que a experiência se iluminou e houve então outra forma de compreensão. Fez-se um grande momento de silêncio, seguido de uma reflexão dela: “te peço perdão, hoje, se você não compreendeu minha atitude naquele momento”.

O silêncio instaurado entre ambos conseguiu trazer à tona outra significação.

Dessa forma, creio que vamos reparando a vida na conciliação de alguns entendimentos truncados.

Mas, então, estamos fadados à falha?

Sim, estamos “assujeitados” a falhar, e é natural que as coisas não aconteçam como esperamos, até porque muitas vezes os outros nem sempre entendem da forma como gostaríamos que eles entendessem, ou como realmente havíamos exposto não intencionalmente uma informação ou demonstrado uma emoção. Como podemos garantir a recepção de nossas intenções, se e quando elas existem? Como podemos ter certeza de que o outro vai memorizar o ocorrido do modo que nós entendemos como aconteceu?

Nunca teremos! A falha decorrer exatamente daí, das incertezas.

Existem muitos estudos sobre memória para entender os processos mentais e psíquicos que ocorrem no decorrer da vida. Pesquisando um pouco mais, descobri que, hoje, as neurociências têm feito uma retomada desses estudos no intuito de compreender que um fenômeno cognitivo também pode ser estudado sob o ponto de vista das emoções e dos afetos. A psicanálise oriunda de Freud (1986) adota também uma visão psicodinâmica relacionada à uma natureza criativa da memória, na qual a fantasia inconsciente e o desejo são capazes de ressignificar vivências e de instaurar novos sentidos a partir da experiência passada, reelaborando-os.

Assim, podemos perceber que as falhas passadas podem ser reparadas muitas vezes no agora e, ainda, perceber que por mais que criemos nossos filhos de um modo, fazendo nosso melhor, existem milhares de outros fatores que podem influenciar sua compreensão e visão de mundo.

E nós não temos controle sobre isso.

Ou temos?

* A autora é poeta, professora, revisora de tradução e produtora de conteúdo  para o Instagram e o canal do Youtube: BETTER & Happier. Visite a autora também na Academia Niteroiense de Letras.  (Digite no google ANL+ Janice Mansur).

 

TEXTO publicado no Jornal Notícias em Londres

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