Aula 3 – GRUPO de estudos “ rePENSAR faz  pARTE”

Relacionamentos abusivos versus Tolerância à frustração

 “Estudos atuais, com 147 pesquisas, afirmam que os relacionamentos mais saudáveis − sem precisar serem perfeitos −, ajudam a saúde, aumentando em 50% a vida humana.”  (profa. Isis) 

 

Os astros revelam quem é aquela pessoa que pode se apaixonar por cada signo

 


O bebê e a frustração

Nesta aula, foi enfocado um tema bem complexo. Falou-se de relacionamentos abusivos ao quais têm uma relação direta com a tolerância à frustração. Então, o professor Nathan começou tocando uma música ao violão (pois o encontro tem sempre música) cuja letra narra a insistência amorosa de uma mãe para seu filho comer brócolis, embora ele não goste e não queira comê-lo, e explicou-nos que a mãe, na verdade, está ajudando essa criança a entrar num processo de frustação necessário a seu amadurecimento. E a música, então, fala que a vida faz assim conosco, “a vida é a mãe que manda o filho comer os vegetais porque vai fazer bem, o filho não gosta, mas é necessário”.

 Portanto, torna-se necessário aqui pensar se os relacionamentos abusivos existem e como tudo acontece. Assim, o professor Nathan trouxe este tema para esse encontro, à luz da psicanálise, e disse que “sabe-se que relacionamentos abusivos existem, pois há aquelas pessoas que com seu narcisismo engolem a outra, apagam a outra, mas também existem as que não conseguem lidar com o real, não toleram a frustração e para justificar o fim de um relacionamento, por exemplo, vão chamar o relacionamento de abusivo.”

 Dá-se início à explicação de como pode surgir a baixa resistência à frustração que certas pessoas têm. “Ao nascer o bebê deseja o seio (mamar) e o seio aparece para satisfazê-lo, e  o seio (mãe) vem, então para dar a ele o que ele precisa. Ele tem um “delírio de onipotência”, nesse primeiro momento, porque o bebê é a figura central, e toda a demanda dele deve ser suprida de verdade pela mãe. Ocorre aqui o narcisismo primário, em que o bebê vai se sentir o centro do mundo (“Vossa Majestade, o bebê”, como diz Freud). Ele está no processo primário, em que vigora o princípio do prazer, em que o bebê acha que esta fusionado à mãe. ‘Todas as minhas necessidades precisam ser atendidas’, pensaria ele. É uma fase necessária e muito importante para o desenvolvimento do bebê, pois a nossa capacidade de frustração começa aqui. A mãe suficientemente boa tem a função de abrir mão de suas necessidades para cuidar das necessidades básicas do bebê.

Embora seja uma fase importante, esse narcisismo primário será quebrado com o tempo e o bebê começará a ser atravessado pela realidade externa a ele, quando passará a vigorar, então, o princípio da realidade. Ele descobre que ele e a mãe não são a mesma coisa, que ele não pode ter tudo o que deseja na hora, assim, a frustração aparece, para ele aprender a lidar.

 É quando o bebê se dá conta de que a realidade existe independentemente de sua vontade, que ele começa a aprender a lidar com a frustração e a adiar sua satisfação,  se houver um ambiente suficientemente bom (Winnicott, 1983). O bebê começa a tolerar os desconfortos. Aqui ocorre a posição depressiva (Klein, 1981), pois a ligação que antes era narcísica – tudo é feito somente para ele −,  agora  traz a possibilidade de se tornar uma ligação objetal, quando o bebê se vincula ao objeto (a mãe) não a partir dele mesmo, mas agora considera aquele ‘objeto’ um sujeito, estabelecendo um relação real com o outro: ‘minha mãe é outro ser humano’.

É na primeira infância que se vive pela primeira vez essa experiência de passagem de um modelo de funcionamento para o outro: do processo primário para o secundário.

 Portanto, vimos aqui que a frustração é extremamente necessária, pois ela faz como que o bebê saia do momento de onipotência, para estar de acordo com a realidade. Ela é necessária para que o sujeito progrida no processo de amadurecimento, pois quando o bebê acha que ainda pode tudo, ele não encara a realidade e pode começar a delirar (as cotas da paranoia e da esquizofrenia podem erupcionar), pois nem sempre o que ele quer, vai acontecer. Então, o ambiente adquire importância vital para que se entenda que há um descompasso estrutural entre meu desejo e a realidade (mal-estar, como Freud diz), e possa trazer a aceitação.”

 

A questão biológica: encefalização

 A professora Isis vem em seguida trazer elementos do modelo científico-filosófico para complementar a ideia. “Os médicos sempre se preocupam, ao nascimento do bebê, com sua saúde, porém o que está em pauta nessa situação é só o aspecto material: ‘a criança está perfeita, todos os membros dela estão perfeitos’. Essa parte biológica é muito forte para a ciência.  E passa a ser tão forte que ficamos presos a isso. Mas também do ponto de vista biológico, o nosso sistema nervoso só amadurece, só vai se fundar por volta de 24 e 25 anos.  

 Ao nascimento do bebê, no pós-parto, ele não tem noção do ambiente externo. Então, quando a mãe pega o bebê no colo é o primeiro contato dele como o mundo. E ele se sente psiquicamente fundido, de fato, à mãe. O bebê não identifica muitos dos toques que recebe da mãe, ele não entende, não interpreta o que está acontecendo com ele, por isso quer mamar toda a hora. No parto humanizado, é importante o uso de uma luz fraquinha, porque o bebê não sabe o que está acontecendo com ele, ele não sabe nem se é dia ou noite”.

 Acrescenta a professora que “o processo de ‘encefalização’ (maior desenvolvimento da região anterior na frente da testa, lobo frontal ou pré-frontal) é o responsável por adiar a satisfação, ele é o nosso freio de mão, é a parte que inibe uma ação frente a um desejo, o que só ocorre no início da vida adulta. Essa é a grande diferença de nós para os animais.”  Neste ponto, um dos participantes, o psicoterapeuta Vitor, diz que “se há uma casa para o -id, seria ali no pré-frontal, suponho”. (Todos rimos).

 O ambiente entra aqui como fator primordial para se desenvolver esse amadurecimento, pois é necessário um ambiente nutridor para baixar nossa guarda. Um ambiente não nutridor, ameaçador, que traz risco de vida, traz estresse, faz com que o sujeito tenha menos propensão também a assumir riscos e se torne mais arredio (entra no processo de ‘lutar ou fugir’. Por isso, nosso grupo é de acolhimento, para deixar fluir.

 Finalizando a ideia sobre a encefalização, Isis continua dizendo que “o amadurecimento da região pré-frontal vai acontecendo de modo que os ‘fios’ em relação às coisas que ouço, ao que imagino, às minhas interpretações, começam a ganhar um emaranhado mais robusto, tudo começa a se conectar mais rapidamente. E começamos a ganhar mais fibras associativas, e isso se chama ‘experiência dependente’ (quando a nossa biologia é mais afetada, pelo nosso pensamento, nossas emoções, na relação com o outro e o ambiente, mais que a genética).

 

Mas, o que tudo isso tem a ver com os relacionamentos amorosos?

 Aqui entra-se na temática principal desse encontro, quando prof. Natan afirma que “esse movimento acontece não só com o bebê, mas se repete por toda a vida. A cada nova situação que se apresenta há um equívoco, uma idealização, e só depois a realidade se manifesta. E é assim também nos relacionamentos amorosos. Primeiro acontece a paixão, depois sobrevém a realidade.

 Mesmo sendo o processo secundário a função mais evoluída dos processos mentais, apenas uma parte da mente funciona assim. Na maioria do tempo, o aparelho psíquico funciona pelo processo primário, onde o pensamento mágico impera. Justamente a forma de ‘pensar’ que está disponível a um bebê em seus primeiros anos de vida. (cf. MARTINO).

 Em um primeiro momento ‘só nos aproximamos do outro se com ele nos identificamos. A primeira aproximação é muito mais por aquilo que esperamos ou imaginamos que o outro seja, do que por aquilo que ele realmente é’. (MARTINO, 2011, p. 133).  Osipe continua dizendo que ‘como ocorre com o bebê em relação à mãe no narcisismo primário’ (FREUD, 2014), a paixão é um estado de deturpação da realidade. Não se reconhece o outro pelo que ele é, mas sim pelo que se supõe que seja.” E acrescento algo de que ri muito quando fui a um show da Adriana Calcanhoto, em se início de carreira. Ela disse que os músicos dela estavam todos incompetentes e idiotizados, porque estavam todos apaixonados. Pode parecer muito forte, porém é mais ou menos por aí.

 “Se tanto um homem quanto uma mulher projetam suas imagens positivas simultaneamente, temos aquele estado, aparentemente perfeito, de relacionamento conhecido como ‘os dois estão apaixonados’, em um estado de fascinação recíproca.” Acrescento eu: dá-se, assim, o encontro de almas gêmeas. “‘Os dois declaram, então, estar apaixonados um pelo outro e se acham firmemente convencidos de que agora encontraram o relacionamento máximo (SANDFORD, 1987, p. 26)’”.

 Portanto, aqui vemos que o “objeto de desejo nunca é real, isso por que nunca se deseja o que é real, mas anseia-se por aquilo que esperávamos que fosse: o ideal. Mais uma vez a memória funde-se ao desejo. Na realidade tendemos a nos desinteressar pelo objeto de desejo, assim que o percebemos real (assim que passa a fase da paixão). Isso porque ‘ser real limita as qualidades e possibilidades do objeto, o que não ocorre com o ideal, que é sempre perfeito em nossas fantasias’.” (MARTINO, 2013).

 

A quebra da ilusão, o que é isso?

 “Esse processo dolorido de evolução, de quebra da ilusão para o reconhecimento da realidade decorrente da quebra do narcisismo, foi chamado por Wilfred Ruprecht Bion (1897-1979) de mudança catastrófica. Bion propõe que essa mudança ocorre sempre que um sistema é abalado pela entrada da verdade. ‘Evolução ou crescimento mental é algo catastrófico e atemporal.’ (BION, 1970). ‘A maturidade emocional, que se dá através de desilusões, quando possam ser acolhidas, ocorre no dar-se conta da realidade como ela é, justamente a mudança catastrófica’.” (MARTINO, 2019).

 Nesse momento perde-se o objeto ideal para se enxergar o objeto real. Entretanto, como já dito, esse processo não é simples, e somente acontecerá se houver, no sujeito, a capacidade de tolerar a frustração, o desconforto. ‘O ser humano tem grande dificuldade em distinguir aquilo que ele gostaria que fosse daquilo que realmente é. O desconforto na tomada de consciência é fator que obstrui o sujeito de se desapegar das ilusões’. E, cá entre nós, isso serve para tudo.” (MARTINO, 2019).

 Então, o prof. Nathan chegando a uma fase de “conclusão” de seu raciocínio, explica que existem possíveis “saídas”, como , por exemplo, quando há maturidade diante de qualquer frustração, se a saída for escapar para a fantasia, isso culminará na desistência de certo objeto, por não atender as nossas expectativas. É como se disséssemos: ‘se não for como eu desejava não importa pra mim’. Ou seja, a realidade fica desinteressante, não interessa mais ao sujeito, pois o que interessava era o que se imaginava ser essa realidade. Assim que o real se revela, é logo descartado − o imaturo trata a frustração como não inerente à realidade, como um defeito daquele objeto. ‘Isso não deveria estar acontecendo”, diria a pessoa numa negação do real, o que o professor Nathan chama de o ‘Fenômeno Karol Conka’: usar o discurso estrutural para fazer o processo de culpabilização do outro pela não satisfação de seus desejos.

 A professora Isis aponta que o jovem, o adolescente, precisa de uma certa regulação (dizer não quando necessário) por parte dos responsáveis por ele. Mas isso não pode impedir suas experiências totalmente para que haja aprendizado, e pais e filhos não fiquem fusionados.

 Assim são necessários alguns acordos com a realidade, e que se apontem algumas saídas.

 Você vem conhecê-las na próxima aula?

 

Referências

BION, W. Atenção e Interpretação.  Rio de Janeiro: Imago, 1973.

DIAS, Elsa Oliveira. A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago, 2003.

FREUD, S. (1914b). Sobre o narcisismo: uma introdução. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1990, p. 83-119.

KLEIN, Melanie. Psicanálise da Criança. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1981.

SANFORD, J. A. Parceiros Invisíveis. São Paulo: Paulinas, 1997.

WINNICOTT, D. W. O Ambiente e os Processos de Maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.

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